Arquivo do autor:Renato Lima

Workshop: Psicologia e MKT de Experiência na Prática

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Workshop

MARKETING DE EXPERIÊNCIA NA PRÁTICA

A Psicologia na relação cliente-produto

CONTEÚDO:

Fundamentos do Marketing de Experiência;
Psicologia aplicada ao comportamento do consumidor;
Cases de sucesso;
Construindo experiências sinestésicas;
Como realizar um evento de marketing de experiência;

INFORMAÇÕES:

Data:18 de abril (quinta-feira)
Horário: 19 horas
Local: Casa Nuvem – R. Prof. Xandinho, 126. Antonio Vendas, Campo Grande/MS
Investimento: R$ 50,00
Informações/whats: (67) 99245-7574
*Vagas limitadas

**Emissão de declaração de participação

SOBRE O FACILITADOR

Renato Lima – Jornalista e Psicólogo. Especialista em Quality Communication pela Universitat Autònoma de Barcelona (UAB), Mestrando em Psicologia Social pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Tem experiência em comunicação corporativa e comportamento do consumidor já atuou nos mercados de Nova Iorque e Portugal. No Brasil, trabalhou dez anos nas áreas de Assessoria de Imprensa, Publicidade, Produção de Evento, Marketing e Relacionamento de empresas nacionais e multinacionais dos setores: beleza e maquiagem, arquitetura e decoração, celulose, imobiliário, saúde, estética, mineração, educação, alimentação, esporte e cultura.

A beleza no deserto

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Imagine um deserto. Não! Não feche os olhos. Você precisa estar com eles abertos para ler este texto. É preciso estar com os olhos bem abertos para encarar a vida, olhar a realidade. Às vezes o que vemos não é bom como gostaríamos ou como imaginamos. Mas fechar os olhos não ajudará a saber onde se está pisando. E é importante saber onde se pisa.

Por isso, de olhos bem abertos imagine um deserto.

Consegue localizá-lo dentro de você?

Deserto é um encontro entre o tempo e o espaço. É um momento. É um período, também chamado de fase. É onde nada parece acontecer. É quando nunca parece acabar. É quando você se sente patinando sem sair do lugar. Deserto é o sentir-se só, perdido, abandonado. É quando você já está seco por dentro e por fora. Abatido, cansado, sem esperança.

Talvez por isso a imagem que temos de deserto é algo sem vida, sem cor, sem alegria, sem movimento.

Mas deixa eu lhe dizer algo!

Existe uma beleza no deserto.

Estar no deserto lhe permite experiências únicas e inesquecíveis.

Eu estive lá. Percorri suas trilhas e curvas. Enfrentei suas tempestades. Aguentei sua temperatura. Então o resisti. O atravessei. E voltei pra contar.

A primeira beleza do deserto é sua imensidão. Um olhar atento ao horizonte sem fronteiras atesta como somos pequenos e na mesma dimensão torna-se o tamanho das dores, sofrimentos, angústias… Você percebe que existe um universo do lado de fora que resiste imune ao que corrói por dentro. E que você resistiu muito mais às ameaças externas do que as internas…..

A segunda beleza do deserto é o silencio. Não há vozes, não há ruídos… Você se torna refém da própria voz e começa a escutar-se de uma maneira mágica. Ouve coisas que jamais disse a si mesmo. É um momento único onde você se aconselha e se perdoa.

A terceira beleza do deserto é seu movimento. Quando nada parece acontecer, é possível sentir na pele o vento que move delicadamente os grãos de areia, transportando verdadeiras dunas. É acompanhar o sol dançar no céu entre sombras e luzes. É sentir o pico do calor e arrepiar com o frio ao entardecer. E ver que a paisagem mudou e acreditar que sim, as coisas mudam, ainda que lentamente existe um movimento interno também.

Então, poder caminhar sem medo e chegar ao fim.

E, neste fim, encontrar-se com uma nova versão de você mesmo.

Uma versão mais forte, mais experiente, mais agradecida, mais serena, mais integrada.

O deserto não passa. Ele continua lá. Ele é um encontro do tempo com o espaço. Quem passa é você. Que o atravessa e deixa suas pegadas. Um rastro que irá se apagar com o tempo e talvez o mesmo tempo o faça esquecer que esteve lá e por isso, não se lembrará quando voltar, se voltar.

Existe uma beleza no deserto.

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Novo Tempo

“Do lugar de onde estou, já fui embora” (Manoel de Barros)

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Se você está lendo este texto é porque eu não morri. Sim esta não é uma daquelas publicações póstumas que deixamos guardadas com um bilhete “publique somente após o meu velório”. Sim eu estou aqui, agora, do outro lado dessa tela separado por um clique. Sim eu sei que você também não morreu e nem preciso perguntar isso. O que nos une é o fato de estarmos vivos. Já em quais condições sobrevivemos… isso já são outros quinhentos. Sim este texto fala de morte, parte de mim morreu há um ano (já arredondando). A outra parte? Agonizou! Algumas vezes até eu duvidei que fosse resistir, mas não é que resistiu? Então este texto fala também de vida. Afinal, estamos aqui. Eu e você. Você e eu. E isso não significa, necessariamente, que exista um “nós”.

Morte e vida. Dois conceitos definidos pela mesma variável, o tempo. E é este o assunto deste post. O Tempo. A física postula que o ponto de encontro entre o tempo e o espaço é chamado de “acontecimento”. Viver é uma sucessão de acontecimentos. Bons ou ruins eles estão ali mostrando que o tempo não para. Ainda que, muitas vezes, nós mesmos ficamos parados em algum lugar dentro de nós. Imóveis, vemos duas coisa: o tempo passar, e nada mais acontecer. É o enigma da vida: estamos no lugar certo, porém, na hora errada? Ou então, tomamos a decisão no tempo certo, mas na fase errada? Talvez nunca saberemos como resolver essa equação.  Quando se trata de questões emocionais essa matemática não é assim tão exata….

Fato é que ele, o tempo, não para. E isso não é letra de música apenas, não! Ainda bem que ele não para. Se ele parasse há seis meses eu estaria esperando aquela parte que agonizava morrer. Mas ainda bem que ele passou e hoje estou aqui escrevendo sobre o tempo.

Somente quem viu ele passar e quem passou por ele, recebe de presente um espelho retrovisor onde é possível ver onde estávamos, de onde saímos, onde chegamos e não apenas em questões que referem à nossa posição, mas também no como fizemos tudo isso, como chegamos até aqui, como estamos agora. E, claro, talvez menos importante ou não, quando que aconteceu cada etapa. Como sucederam cada encontro de tempo e espaço ao longo dessa jornada.

Outra evidência é que ele, o tempo, dá conta de tudo. Só ele é capaz de julgar se as decisões tomadas foram corretas ou erradas. E não fica apenas na sentença. Ele nos dá a chance de corrigir, de fazer diferente, de mudar, claro que ele não volta, mas nos permite fazer diferente daqui pra frente.

O tempo é aquela mãe que bate na hora, mas depois  vem nos acarinhar. Nos coloca de castigo, mas sabe que não é pra sempre e que em algum momento ele mesmo nos tirará de lá.

Claro que a noção de tempo se mede quando ele passa. Ainda não posso falar do que irá acontecer ou então o máximo que consigo falar do presente, a partir da referência de um passado recente.  Agora meus olhos já se secaram, meu coração já se acalmou, minha cabeça desacelerou.. mas ainda lembro o sabor das lágrimas quentes e salgadas escorrendo pelos meus lábios, os efeitos da palpitação e a pressão dos pensamentos que torturavam minhas emoções.  O tempo pode fazer muitas coisas, mas uma coisa que ele não faz é distribuir amnésia seletiva a todos que passam por ele. Confessa que você também desejou um pouco de amnésia seletiva, quem não gostaria de apagar algumas lembranças?

E o que aprendi com ele? É que por mais escura, assustadora e longa que seja uma noite…. ela não dura para sempre. Em algum momento o sol vai se levantar e logo os primeiros raios irão, lentamente, desfazendo o breu e iluminando nossas vistas.

E o que eu faço agora? Desejo novos acontecimento. Desejo novos encontros de tempo e espaço. Desejo estar no lugar certo, no momento certo.

E o que você fez? (Diário II)

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Eu estava distraído entre uma arara e outra na loja de departamento quando me pego cantarolando junto com a Simone no sistema de som da loja…. “Então é Natal…”

Eu não sei se gosto do Natal. Natal é como o recenseador do IBGE, você nunca parou para contar quantos televisores tem na sua casa, ou então, se o chuveiro é elétrico, até que ele faz essas e outras perguntas estúpidas que apenas evidenciam que você não sabe tudo sobre a sua própria casa. Nesta época do ano ele bate na porta da sua memória te forçando a pensar sua própria vida e lembrar tudo o que você fez e deixou de fazer. Isso nem sempre é legal….

O Natal também funciona como o Instagram do calendário. Ele exibe para os outros meses somente pessoas bem vestidas, ostentando taça de champanhe na mão, cheia de amigos e risadas. Mas março sabe que a roupa será paga em várias parcelas, novembro acompanhou que você não estava tão feliz assim e janeiro, a… janeiro vai jogar na cara que nem todo mundo da foto continuará junto.

Mas Natal também é “Paz aos homens de boa vontade”. Então, fica meu voto de parcimônia, quero dizer, esperança.

Voltando ao meu encontro com a Simone, enquanto eu passava os cabides como se estivesse datilografando, faço o coro “…Então é Natal, e o que você fez….” Nessa estrofe eu faço uma pausa cênica enquanto pergunto a mim mesmo o que eu fiz?

Pronto! Lá havia eu aberto a porta para o recenseador….. Minha vida passando na minha mente em um nítido plágio de Black Mirror.

Minha mãe tem um CD de Natal da Simone desde a década de 90, depois de três anos que ela colocava para tocar religiosamente entre os dias primeiro e 26 de dezembro eu passei a esconder o CD (eu sei que é pecado trolar a mãe, mas era por uma causa nobre, acredite). Mesmo assim ela encontrava, ou minha irmã encontrava e entregava para minha mãe, não porque gostava da Simone, era para me sacanear mesmo, no final dava na mesma. A lavagem cerebral funcionou por mais de duas décadas…. eu decorei a música… (todas as musicas do CD)

Então porque justamente neste ano eu paro para meditar na letra? Logo este que foi um dos anos mais difíceis de toda minha existência? Seria o universo se vingando dos anos escondendo o CD da Simone?

O ano começou com uma das maiores perdas da minha vida. Uma mutilação emocional que fatiou minha autoestima, esperança, alegria. Fechei a porta do meu coração e deixei a chave cair no bueiro (pra não dizer esgoto) … e quando eu achava que não poderia piorar veio a Síndrome do Pânico (Nota do Autor: não ouse julgar alguém com síndrome de pânico até que você sinta na pele os sintomas). Foram crises devastadoras….  A vida financeira de ponta cabeça dá aquela ajudinha no caos, acompanhada por um calote na sua empresa que transforma sua conta bancária em campo minado. Os níveis de cortisol lá em cima, enquanto serotonina, dopamina, ocitocina, despencam…. Perda de peso, perda de cabelo, perda de amigos…. Sua rotina muda bruscamente. A vida ri e sapateia na sua cara, enquanto você ri (mas é de desespero).

O que te resta é oscilar entre fingir e tentar…. quando se cansa de tentar, alterna fingir com fingir, mesmo. E a vida segue.

No segundo semestre, eu me graduei em Psicologia (isso foi muito bom, sim…. é do estrume que nasce a flôr, muito prazer!), mas foi quando eu tomei uma das decisões mais importante da minha vida. Sair da psicoterapia e ir para análise. Três vezes por semana, deitado no divã, revisito minha personalidade e claro, mais merdas submergem…. Você é obrigado a lidar com os próprios demônios…. abrir sua caixa preta,  reconhecer, encarar, falar em voz alta coisas sobre você que não te fazem se sentir bonito ou uma “boa pessoa” que seja.

Aqui estou eu respondendo ao recenseador…. dizendo “e o que você fez…”

Sim eu fiz tudo isso. Claro que não fiz só isso. Fiz isso e outras coisas.

Então segui com a música “…. o ano termina e começa outra vez….” Lentamente devolvi o cabide na arara e disse para mim mesmo. “Hey, o ano ainda não terminou. Coisas ainda podem acontecer (claro que eu só pensei em coisas boas). Digamos que eu queria ganhar na Mega da Virada sem ter apostado. Foi aí que eu me dei conta de que deveria correr para uma lotérica. (No caso isso foi uma metáfora, tudo bem se você não conseguiu entender). Tá bom, pode não acontecer nada mesmo, ou talvez as crises de Pânico voltem, mas eu continuo no jogo…. ainda há cartas na mesa. A vida pode estar blefando e eu só preciso acreditar nos meus “ases” (e nas minhas asas, também).

E no final. “….. começa outra vez”

Existe um ciclo que é inevitável. O terminar e o começar não dependem de mim, nem de você. A roda da vida segue girando. E se existe um lado bom de se estar embaixo é que o próximo movimento é o de ascensão. Peguei a camiseta e fui para o caixa. Afinal, tenho que parecer bonito na foto de Natal com meus novos amigos e minha taça de champanhe.

Diário

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Inquieto. Ele virava o pescoço para os lados, procurando encontrar de onde vinha aquela voz que chamava seu nome. Ele sabia de quem era a voz que o vento trazia a seus ouvidos e tentava localizar com a cabeça como se pudesse levá-lo até o emissor. Era uma busca incessante, torcia o pescoço para os lados, virava para trás…. mas não conseguia identificar de onde ecoava aquela voz, porém sabia que seu nome estava sendo chamado. Foi então que olhou para dentro, baixou a cabeça próxima do coração e encontrou a origem. A voz que ele reconhecera e que chamava pelo seu nome vinha de dentro. De lá emanava, como uma gravação, a lembrança da última vez que seu nome foi chamado. Era tão real, tão presente, tão vivo…. como se seu nome continuasse sendo chamado. Aquele timbre doce, com a pronuncia que só aquela voz conseguia fazer ainda circulava pela sua memória auditiva. E, por isso, estava ali, bem perto, porque estava dentro. Era a parte do que tinha ficado.

Então ele suspirava bem fundo, para acomodar toda a intensidade que o preenchia. Mas escapava um sorriso de canto de boca. Meio tímido, puxava junto os olhos formando aqueles vincos de quando se tenta fechá-los. Ele não conseguia controlar os músculos faciais, como espasmos, aquele sorriso bobo tinha vontade própria. Então ele se lembrava… Lembrava de cheiros, de imagens, de sensações. Revivia histórias e momentos como se alguém tivesse acabado de lhe contar. Cada lembrança fazia cócegas no cérebro explicando o porquê daquele sorriso ora inocente, ora intensional.

Ele queria compartilhar coisas bobas, como dizer que parou de roer as unhas e o orgulho que sentia por isso. Suas mãos estavam mais bonitas. Mas não tinha para quem exibi-las. Queria mostrar as músicas que ele recém descobrira, porque sabia o quanto gostava de música, então cantar o refrão deixando que a letra falasse por ele, com intuito de talvez, uma de suas músicas pudesse entrar na playlist como se algo de si fizesse parte. Queria contar o quanto mudou, e para melhor, e que sentia um orgulho imenso pela pessoa que havia se tornado.

Então ele acabou fazendo tudo o eu queria. Quando fechou os olhos e imaginou. Quando abriu e deixou fluir em palavras escritas. Ele fez. E se sentia feliz por ter feito.

Vulnerável

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Vulnerável. Me traduz nos últimos nove meses. Uma sensação de estar desprotegido, exposto, suscetível a riscos, um estado de constante ameaça. Quanto mais eu me sentia vulnerável, mais eu investia em me defender. Então precisava me proteger, precisava de uma armadura (bem dura) para as minhas emoções. Eu me vestia de autoafirmação, trocava o sorriso diariamente, me cercava de uma barreira humana (chamada amigos) e tomava doses cavalares de prazeres momentâneos.

Quanto mais eu mantinha essa constante, mais eu denunciava a minha própria vulnerabilidade. Bem, ela está aqui, agora… e quando estamos a sós conseguimos fazer grandes coisas juntos. É bem verdade que ela me permite me conhecer de uma maneira que jamais imaginei. Estar vulnerável e uma oportunidade de se despir de tudo aquilo que vem de fora…. medos, expectativas, status, padrões, rótulos, obrigações…. é assumir a nudez do que tem dentro. Da essência, da verdade. Do jeito que é. E nem sempre vai ser bonito, ou perfeito, ou feliz. Do contrário, é ferida aberta, reboco caído, pedaço faltando.

Mas na vulnerabilidade habita um tipo de libertação. A libertação do “tem que”. Ao assumir o que você é o como está, você simplesmente não precisa “ter que” ser nada, nem “ter que” fazer nada. A vulnerabilidade te faz mais humano. E isso não significa que você irá se sentir mais feliz ou mais forte. Eu disse humano, então infelicidade e fraqueza fazem parte dessa definição. Mas é aí que aflora uma beleza especial que faz de você único.

A vulnerabilidade é circunstancial, momentânea, e por isso passageira (ainda que leve nove meses… ou mais). Porém, ela precisa ser assumida e acolhida como parte do aqui e agora. Ela não irá deixar saudades (o que é bom), mas quando ela se for, deixará uma pessoa melhor. No lugar das feridas, cicatrizes, da instabilidade, estabilidade.

Assumir a vulnerabilidade abre duas portas: a da ciência dos riscos e ameaças diante da fragilidade, e, a porta das armadilhas de engano e negação diante da fragilidade. Eu escolho não me enganar. Eu escolho não trocar o pneu com o carro em movimento. Eu escolho não andar com estepe.

Eu escolho abraçar a minha vulnerabilidade, expor minhas fragilidades e dançar com os meus pedaços.

Contra fogo

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Dizem que água apaga o fogo. Na prática, essa máxima e muitas outras que acreditamos “não são bem assim”. Experimente jogar um copo de água em um grande incêndio. A água evaporaria antes mesmo de atingir as chamas.

Abafadores também são inúteis diante de um incêndio de grandes proporções. Assim como inútil é chegar próximo das labaredas. Não ouse brincar com fogo…

O que a natureza ensinou aos homens é que a melhor maneira de combater um grande incêndio é usar o próprio fogo. Parece um contra-senso, até incoerente, mas o fogo controlado é ateado para ir de encontro ao fogo ameaçador e provocar um choque entre ambos e, assim, alterar a direção da propagação ou extinção do incêndio. Em outras palavras, usa-se o fogo para combater o próprio fogo.

Talvez essa mesma estratégia sirva para algumas coisas que queimam dentro de nós. Talvez possamos usar a dor para combater a própria dor. Talvez ainda estejamos lutando com copos de água na mão tentando conter as chamas, nos esforçando insistentemente com abafadores para, de alguma forma, impedir que outras áreas da nossa vida se transformem em cinzas…..

Em vão, assistimos o fogo cada vez mais próximo, cada vez mais descontrolado, provocando cada vez mais estragos e dores….

Então, talvez seja hora de usar a dor para combater a própria dor. Diante dessa dor subjetiva, que queima por dentro, seja necessária a dor da realidade. Uma verdade que vem de fora e também queima, mas talvez seja a melhor solução, talvez seja a única solução para evitar um estrago maior.

Talvez seja preciso colocar a mão no fogo da realidade, daquela que preferimos não ver, que escolhermos não acreditar, que tentamos evitar. E lançar essa dor para combater as chamas que nos consomem.

A expressão fogo contra fogo, talvez nos ensine sobe dor contra dor.

Isso pode não mudar em nada o que sentimos. Mas pode mudar como reagimos ao que sentimos.

Arranjo

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Uma folha em branco é tudo o que eu preciso para colocar palavras que ainda não escrevi. Dentro de mim sinto que algumas letras começam a se juntar. Confesso que não sei ao certo o que está sendo formado, mas reconheço algum movimento.

Talvez, quando elas estiverem prontas, conseguirão sair pelos meus dedos e pela minha boca.

Talvez, quando elas saírem de mim, ganharão vida e essa vida voltará para mim como uma nova história.

Por enquanto, eu me contento com a folha em branco. Uma página nova que deflagra um vazio profundo, sem margens, sem limites. Mas, ao mesmo tempo, também uma possibilidade, oportunidade para algo novo. Talvez tão novo que ainda não existe.

Enquanto isso, me restam as palavras que já usei, porque sei escrevê-las. Até que me venham as palavras novas, sigo reescrevendo as velhas, mas de um modo diferente, talvez alterando a ordem, a posição, a semântica…

Posso reescrever “Saudade”, desta vez não mais do passado, mas de um futuro que não existiu.

Posso reescrever “Olhar”, como aqueles que a gente vê quando fechas os olhos.

Posso reescrever também “Amor”, não como um sentimento, mas uma entidade que desafia tempo e espaço.

Posso então, reescrever “Você”, não como o outro, mas como parte de mim. Que está aqui, agora e habita o mais profundo do meu eu.

Letras se transformam em palavras. Palavras, viram significados. Para estes, atribuímos sentidos e assim elas são incorporadas na folha da nossa existência. Não há como apagar, não há como deletar. A única saída é reescrever. É preciso misturar todas as letras, embaralhá-las, para depois separá-las, sílaba a sílaba, até que nasçam novas palavras.

Trocando “ou” por “e”

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Tudo começou com um “por que você não experimenta substituir o ‘ou’ por ‘e’ nesta frase?” Naquele momento eu poderia ter levantado do divã e saído pela porta. Minha cabeça tinha acabado de explodir e juntar a massa encefálica espalhada pelo chão da minha imaginação levaria os outros 35 minutos da análise que ainda me restavam.

“Por que você não experimenta substituir o ‘ou’ por ‘e’ nesta frase na sua vida?” Foi um xeque-mate, daqueles…. oras, não se explica um xeque-mate, é game over e pronto!

Mas voltando aos primeiros 10 minutos da sessão. Lá estava eu falando sobre minha habilidade em considerar todas as variáveis (e me perder entre elas), a dificuldade em tomar decisões…. os medos de fazer escolhas erradas. A culpa e os conflitos daquilo que Clarice Lispector já havia me alertado “entre o Sim e o Não, você só tem uma opção, escolher…” e todas as idiossincrasias, vicissitudes e adjacências…… Sentiram um pouco do meu drama?

Pois bem, eis que em uma associação livre solto uma das minhas máximas…. “ou isto, ou aquilo”… que poderia ser sobre “ou me ama ou me deixa”, “ou confia ou não confia”, “ou Brasil ou Portugal”…. what ever! Só me lembro da flecha vindo em direção ao meio da minha testa!

“Por que você não experimenta substituir o ‘ou’ por ‘e’” Neste momento duas coisas aconteceram em sequencia… Primeiramente fui transportado para a aula de matemática…. no quadro negro lembrava da professora explicando “ou” como elemento de “alternativa” e “e” como elemento de soma. Em seguida, minha vida toda passa na minha mente e todas as escolhas que fiz baseadas no conceito de “ou isto, ou aquilo”.

Então, enquanto a flecha entrava eu agonizava com um insight que mudaria minha vida…. Reduzir conceitos, sentimentos, verdades ou então definir pessoas e situações apenas por “ou isto, ou aquilo” é de imediato considerar que só há duas variáveis a serem consideradas… o que não é verdade. Somos muito mais complexos e “há muito mais coisas entre o céu e a terra”…. Segundo, que quando se reduz tudo a duas opções para se escolher uma entre elas, necessariamente estaremos “desescolhendo” a outra… F

É como se pegássemos a paleta de cores e, primeiramente, a reduzíssemos em Preto e Branco…. Esquecendo que entre eles há uma escala de cinza cheia de variações. E depois, ainda ter que excluir uma das cores.

Falar “ou” é excluir uma possibilidade e atribuir toda  a verdade à outra. é radical, totalitário e arbitrário. Mas tudo muda quando se experimenta trocar o “ou” por “e”…. No “e” não cabe a carga da exclusão, pois ele soma, agrega, amplia…. ver o mundo e as pessoas com o “e” na frente significa “não só isto, mas também isto….” E fica mais justo e equilibrado… entender que sim é possível amar, mas também desconfiar (a questão aqui não é fazer juízo de valores, mas apenas compreender a complexidade do que somos, sentimos e pensamos).

Então somo sim isto, mas não somos só isto, somos também os aquilos todos. Então amar não exclui os medos e as inseguranças…. assim como a guerra é apenas um intervalo na paz, não o fim dela.

O “e” é generoso, ele permite olhar para si mesmo, para os outros e para o mundo com mais parcimônia e contribui com, ainda mais, argumentos para as tomadas de decisão. Afinal, uma decisão deve ser tomada não apenas por um “ou” que elimina todo o resto.. mas sim por uma soma de variáveis tanto racionais quanto emocionais, ou e não é assim?

A dor e a delícia de ser o que é

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Cada existência, independente de sua forma lhe confere este status pessoal e intransferível…..Somente cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.

E isto é suficiente para nos impedir de medir o outro com a nossa régua. Não é por saber de onde alguém veio e para onde vai que se pode julgar como ela anda. Talvez seja possível apenas traçar o seu roteiro. No mais, ninguém  estava calçado nos seus pés. Não foram os meus pés que sentiram o calor do solo, talvez os sapatos apertados…. bolhas, calos, eu não senti e é justamente por isso, que não me cabe fazer projeções sobre a jornada do outro. Ainda que seja mais fácil julgar, avaliar, criticar.

Este é um fato. Cada um tem a sua própria jornada a percorrer. Sobre isso não se pode fazer duas coisas: andar na trilha do outro, nem pegar atalho.

A parte do atalho é a mais perigosa. Por um momento parece que podemos evitar escalar as montanhas e descer os vales da nossa jornada. O atalho é como uma zona de conforto, uma muleta, quando na verdade não passa um placebo.

Nessa jornada pessoal não dá para cortar caminho. Os atalhos apenas nos atrasam. É como um jogo de tabuleiro ele vai te levar para aquela casa onde está escrito “Você perdeu tudo, volte ao começo do jogo”.

Mas reside justamente em cada um saber a “dor e a delícia de ser o que é” que vamos fazer de tudo, para evitar a dor e buscar somente as delícias. Isso inclui pegar atalhos e, para isso, nenhuma força será poupada.

Trilhar a jornada da vida do jeito que tem que ser é assustador. Primeiro porque se faz sozinho. Nesta trilha só cabe uma pessoa e enfrentar a solidão será o primeiro dos desafios. Do outro lado dessa angústia você aprenderá a ser a sua melhor companhia e conseguirá ouvir a sua própria voz, e ela te dirá coisas que você jamais imaginou sobre você mesmo. Então você aprenderá que não precisa usar pessoas como atalho.

Também não há como garantir que será uma jornada confortável ou segura. Os riscos estarão em cada passo que você der. Será necessário muito esforço. Suas habilidades serão testadas e você ressignificará conceitos como paciência e perseverança. Em alguns trechos você irá cair, é verdade, e é graças a isso que se dará conta de que vai se levantar sozinho. Então você entenderá que os atalhos são grandes armadilhas, pois “cortar caminho” não passa de autossabotagem.

Cada um tem seu próprio caminho. Isso significa que os caminhos não são iguais e por serem diferentes é possível pensarmos que há caminhos mais fáceis outros mais difíceis, uns longos, outros mais curtos, uns mais sinuosos, outros mais áridos… Mesmo que tudo isso seja verdade (nunca saberemos justamente por conta da régua), ainda assim não faria sentido porque “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, o que nos leva a entender que cada um terá o caminho que lhe for designado.

Só saberemos a dor e a delícia de sermos o que somos quando passarmos pela dor e pela delícia, até lá, estaremos vivendo de atalho em atalho.