E o que você fez? (Diário II)

a92b82d8ebec3a802f11028e32aef6a3

Eu estava distraído entre uma arara e outra na loja de departamento quando me pego cantarolando junto com a Simone no sistema de som da loja…. “Então é Natal…”

Eu não sei se gosto do Natal. Natal é como o recenseador do IBGE, você nunca parou para contar quantos televisores tem na sua casa, ou então, se o chuveiro é elétrico, até que ele faz essas e outras perguntas estúpidas que apenas evidenciam que você não sabe tudo sobre a sua própria casa. Nesta época do ano ele bate na porta da sua memória te forçando a pensar sua própria vida e lembrar tudo o que você fez e deixou de fazer. Isso nem sempre é legal….

O Natal também funciona como o Instagram do calendário. Ele exibe para os outros meses somente pessoas bem vestidas, ostentando taça de champanhe na mão, cheia de amigos e risadas. Mas março sabe que a roupa será paga em várias parcelas, novembro acompanhou que você não estava tão feliz assim e janeiro, a… janeiro vai jogar na cara que nem todo mundo da foto continuará junto.

Mas Natal também é “Paz aos homens de boa vontade”. Então, fica meu voto de parcimônia, quero dizer, esperança.

Voltando ao meu encontro com a Simone, enquanto eu passava os cabides como se estivesse datilografando, faço o coro “…Então é Natal, e o que você fez….” Nessa estrofe eu faço uma pausa cênica enquanto pergunto a mim mesmo o que eu fiz?

Pronto! Lá havia eu aberto a porta para o recenseador….. Minha vida passando na minha mente em um nítido plágio de Black Mirror.

Minha mãe tem um CD de Natal da Simone desde a década de 90, depois de três anos que ela colocava para tocar religiosamente entre os dias primeiro e 26 de dezembro eu passei a esconder o CD (eu sei que é pecado trolar a mãe, mas era por uma causa nobre, acredite). Mesmo assim ela encontrava, ou minha irmã encontrava e entregava para minha mãe, não porque gostava da Simone, era para me sacanear mesmo, no final dava na mesma. A lavagem cerebral funcionou por mais de duas décadas…. eu decorei a música… (todas as musicas do CD)

Então porque justamente neste ano eu paro para meditar na letra? Logo este que foi um dos anos mais difíceis de toda minha existência? Seria o universo se vingando dos anos escondendo o CD da Simone?

O ano começou com uma das maiores perdas da minha vida. Uma mutilação emocional que fatiou minha autoestima, esperança, alegria. Fechei a porta do meu coração e deixei a chave cair no bueiro (pra não dizer esgoto) … e quando eu achava que não poderia piorar veio a Síndrome do Pânico (Nota do Autor: não ouse julgar alguém com síndrome de pânico até que você sinta na pele os sintomas). Foram crises devastadoras….  A vida financeira de ponta cabeça dá aquela ajudinha no caos, acompanhada por um calote na sua empresa que transforma sua conta bancária em campo minado. Os níveis de cortisol lá em cima, enquanto serotonina, dopamina, ocitocina, despencam…. Perda de peso, perda de cabelo, perda de amigos…. Sua rotina muda bruscamente. A vida ri e sapateia na sua cara, enquanto você ri (mas é de desespero).

O que te resta é oscilar entre fingir e tentar…. quando se cansa de tentar, alterna fingir com fingir, mesmo. E a vida segue.

No segundo semestre, eu me graduei em Psicologia (isso foi muito bom, sim…. é do estrume que nasce a flôr, muito prazer!), mas foi quando eu tomei uma das decisões mais importante da minha vida. Sair da psicoterapia e ir para análise. Três vezes por semana, deitado no divã, revisito minha personalidade e claro, mais merdas submergem…. Você é obrigado a lidar com os próprios demônios…. abrir sua caixa preta,  reconhecer, encarar, falar em voz alta coisas sobre você que não te fazem se sentir bonito ou uma “boa pessoa” que seja.

Aqui estou eu respondendo ao recenseador…. dizendo “e o que você fez…”

Sim eu fiz tudo isso. Claro que não fiz só isso. Fiz isso e outras coisas.

Então segui com a música “…. o ano termina e começa outra vez….” Lentamente devolvi o cabide na arara e disse para mim mesmo. “Hey, o ano ainda não terminou. Coisas ainda podem acontecer (claro que eu só pensei em coisas boas). Digamos que eu queria ganhar na Mega da Virada sem ter apostado. Foi aí que eu me dei conta de que deveria correr para uma lotérica. (No caso isso foi uma metáfora, tudo bem se você não conseguiu entender). Tá bom, pode não acontecer nada mesmo, ou talvez as crises de Pânico voltem, mas eu continuo no jogo…. ainda há cartas na mesa. A vida pode estar blefando e eu só preciso acreditar nos meus “ases” (e nas minhas asas, também).

E no final. “….. começa outra vez”

Existe um ciclo que é inevitável. O terminar e o começar não dependem de mim, nem de você. A roda da vida segue girando. E se existe um lado bom de se estar embaixo é que o próximo movimento é o de ascensão. Peguei a camiseta e fui para o caixa. Afinal, tenho que parecer bonito na foto de Natal com meus novos amigos e minha taça de champanhe.

Sobre Renato Lima

Jornalista, psicólogo, mochileiro e observador de comportamento.

Publicado em 03/12/2017, em Sem categoria. Adicione o link aos favoritos. 1 comentário.

  1. Meu amigo,
    Confesso que passo por aqui menos vezes que gostaria, mas essa leitura me fez ver o quanto poderia ter sido mais presente, mesmo depois de anos sumida.
    Saiba que estou aqui; longe, mas estou.
    Te quero muito bem meu amigo. Você é uma pessoa muito especial, e com certeza depois dessa tempestade que foi 2017, seu ano novo com certeza será incrível. Bora juntar tudo, renovar as forças e recomeçar; com mais experiência, conhecimento e astúcia.
    Nunca se esqueça que daqui sempre terá uma amiga orando por ti e te desejando o melhor que a vida possa lhe dar! Você não está sozinho! 😘😘

Deixe um comentário