Arquivos do Blog
Sobre Bauman e o medo da estante: a angústia de um leitor.
Meu autor preferido é Zygmunt Bauman. A forma peculiar em que ele consegue ver a liquidez das pessoas, das relações, dos sentimentos e das instituições me confronta e me fascina. Com requinte e ousadia ele toma esses valores construídos historicamente em solidez e os reclassifica com as propriedades do líquido, que não tem forma por si mesmo, mas que se adapta ao recipiente em questão. É orgânico, instável, frágil
.
E é justamente o Amor Líquido, o livro do Bauman que eu mais gosto. Ele me é tão precioso que faço dele uma leitura homeopática. O desejo de devorá-lo instantaneamente é superado pelo respeito e o temor de cada palavra. Então eu aprecio cada parágrafo demoradamente. Depois de ler, abaixo o livro no meu peito e fico meditando naquela verdade até o tempo se atrasar.
E assim eu vou prolongando a minha leitura, a fim de evitar o último parágrafo. Quanto mais longe eu estiver do ponto final, mais dias de Bauman eu terei. Então eu sigo me sabotando. Fazendo de tudo para não terminar essa leitura. Para não chegar o dia em que não haverá mais páginas a serem lidas.
Concluir essa leitura é uma angustia que precisa ser evitada. Enquanto houver páginas não lidas haverá esperança, motivação, vínculo, futuro… E é esta presença presente que difere este livro dos demais que depois de lidos são abandonados na estante escorando-se uns nos outros. Mas Bauman não. Amo Líquido está sempre comigo, aonde eu vou o carrego junto.
Mas vai chegar a hora. A hora na qual terei que enfrentar suas últimas páginas. Ultrapassar o ponto final e ter que concluir o que foi começado. E, então, ter que colocá-lo na estante e, finalmente me distanciar dele. É fato que este livro não será minha última leitura. Mas nenhum outro será igual. É certo que cada palavra de Amor Líquido ficará gravada no meu espírito e na minha carne, correrá pelas minhas veias e a noite ilustrará os meus sonhos.
Mas que nada disso afasta de mim o medo. O medo de tirá-lo da minha mochila pela última vez. O medo de não tê-lo mais junto a mim, em minhas mãos. E então ter que aceitar que o gerúndio se transformará em pretérito.